Em um artigo publicado em francês, originalmente na Revista La nouvelle revue de l'adaptation et de la scolarisation 2013/4 (N° 64) e em 2016 na Revista Moara, n°45, da UFPA, a professora Andrea Benvenuto e o professor Didier Séguillon discorrem sobre a organização social e política dos surdos franceses no século XIX.
Além dos “banquetes surdos” e do assim chamado “esporte silencioso", a comunidade os surdos franceses também investe na disseminação das informações através de uma imprensa própria, congressos, moradias compartilhadas e associações de diversos tipos.
Os artistas surdos (pintores e escultores em sua maioria) passam a ser valorizados e se investe bastante na rede de contatos com ouvintes importantes no cenário social e político como forma de se manterem em atividade e serem reconhecidos.
Mas é no esporte que os surdos passam a ter uma visibilidade maior. Confira nesse trecho do artigo em questão:
“Ao final do século XIX, os surdos ampliaram essa mobilização coletiva, praticando atividades esportivas e se tornaram, para além de simples participação de uma ginástica paramilitar, praticantes de esportes associativos, modernos e autogeridos (ULMANN, 1982). Nessa época, o ciclismo era a prática esportiva central na França (ARNAUD & CAMY, 1986) e os surdos se apropriaram dessa atividade, iniciando a prática da bicicleta no seio das associações esportivas dos ouvintes e depois nas sociedades surdas.
A exemplo do movimento esportivo dos ouvintes, o ciclismo passa a ser a essência da construção do movimento esportivo silencioso, o que nos é mostrado por elementos da história dessa prática esportiva. Por exemplo, a corrida de cem quilômetros do trajeto Epenay-Mézières, organizada pela União velocipédica de Epenay conta, pela primeira vez, com a participação de cinco jovens surdos e Henri Mercier20 é o primeiro colocado entre sessenta participantes surdos e ouvintes.
Em 1894, alguns surdos eram observados por curiosos nas estradas da Europa. De fato, Jaroslar Barta, um surdo tcheco, vindo da Alemanha e da Bélgica, passa por Paris antes de ir em direção da Espanha, da Itália e da Áustria. Nesse mesmo ano, outro surdo esportivo chamado Danner participa da corrida de 50 quilômetros no trajeto Choisy-le-RoiVersailles. São organizadas inúmeras corridas como a que foi feita no dia 23 de dezembro de 1894 entre ciclistas surdos e um carro atrelado, dia em que uma delegação de surdos parisienses iria a Versailles para uma cerimônia de homenagem diante da estátua do abade de l’Epée. Henri Mercier participou da corrida de 100 quilômetros em Epernay e chegou em quarto colocado, em 3 horas e 40 minutos.
Entretanto a prática desse esporte deixa de ser algo atrelado a iniciativas individuais e, em reunião, os surdos decidem criar o primeiro campeonato oficioso do ciclismo no dia 30 de junho de 1895, em Sy-le-Roi-Versailles. Trata-se de uma corrida de cinquenta quilômetros entre Paris e La Varenne-Chènnevières, reunindo doze concorrentes.
É Mercier, ele novamente é o primeiro colocado, com um percurso feito em uma hora e trinta e oito minutos, sem falar nas peripécias causadas pelos erros de sinalização, pela ausência de supervisores da corrida dentre outros. A presença de Henri Mercier não é um acaso e basta lembrar que ao final do século XIX, a bicicleta ainda é considerada objeto de “luxo”.
A bicicleta, objeto caro, torna-se dali em diante e rapidamente um objeto de consumo, mas ainda pouco presente entre os menos afortunados. É então natural que os surdos abastados viessem a ser os pioneiros do esporte silencioso. Desde o início do século XX, a relativa democratização da bicicleta abre possibilidades para a difusão dessa prática esportiva dirigida a toda a população francesa e particularmente à população surda.”
É interessante lembrarmos que, até hoje, os surdos não participam das Paraolimpíadas, preferindo organizar jogos exclusivos para pessoas surdas, as Surdolimpíadas. Os primeiros Jogos Internacionais Silenciosos (nome na época) aconteceu em 1924, em Paris. Entre os dias 1 a 15 de maio de 2022 acontecerão as 24ª Surdolimpíadas de Verão, em Caxias do Sul/RS.
Confira o artigo completo:
Eu não conhecia tão bem a surdolimpíada e nem o surgimento do esportes surdos, que bacana! Parabéns pelas postagens, tem sido de grande ajuda.
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