Em 1779 Pierre Desloges (1747-1799), ensurdecido aos 7 anos, publica seu livro Observations
d’un sourd et muet sur un cours élémentaire d’éducation des sourds-muets,
defendendo o uso da Língua de Sinais na educação de surdos em resposta ao texto
do professor ouvinte Abbé Deschamps, Un cours élémentaire
d’éducation des sourds-muets, também publicado em 1779 no qual Deschamps
propõe a educação oralista dos surdos através da leitura labial.
Considerando ser a obra de
Desloges o primeiro texto publicado por uma pessoa surda, é interessante
destacar o fato de os dois livros terem sido editados no mesmo ano. Hoje em
dia, utilizando as ferramentas digitais de produção editorial, que facilitam
enormemente este trabalho, o tempo necessário para que um texto saia dos
originais para ganhar as ruas ainda é longo. Isso sem levar em consideração que
o livro de Desloges é uma resposta direta aos escritos de Deschamps! Fica claro
que o embate teórico era forte e que os dois lados tinham capacidade
argumentativa e institucional, além de uma certa urgência de fazer sua posição
ser reconhecida.
Para tentar entender mais sobre
esse embate Língua de Sinais X Oralismo, talvez seja necessário fazermos
um breve retorno no tempo e apresentar aquele que passou para a história
como “o pai dos surdos”, Abade Charles-Michel de L'Épée (1712-1789). Esse educador,
que a partir de 1760 passa a ser o primeiro a utilizar a Língua de Sinais de
maneira organizada na educação de surdos e também fundador da primeira escola
especial e gratuita para pessoas surdas, publica em 1776 o
livro Institution des sourds-muets par la voie de signes
méthodiques, que será durante muito tempo a referência teórica da
linha “gestualista”. O abade patrocinou a escola com recursos próprios e ajuda
de filantropos até sua morte, em 1789. Em 1791 a escola se torna Institution
des Sourds de Naissance, hoje conhecido como Institut National
de Jeunes Sourds de Paris.
O que é importante destacar na
atuação de L´Épée é o fato que, pela primeira vez na história da humanidade, os
surdos passaram a ser considerados cidadãos capazes de receberem algum tipo de
educação formal. Antes dele, apenas uma ou outra pessoa surda teve a
oportunidade de acessar o conhecimento e demonstrar que a falta da língua oral
não impede um ser humano de desenvolver suas capacidades cognitivas
superiores.
Com o trabalho desenvolvido pelo
abade, surdos de toda a França começam a ter sua formação escolar garantida,
muitos deles voltando para suas cidades de origem como professores;
professores de surdos de outras cidades e de outros países passam a
buscar a instituição fundada e dirigida por L´Épée para aprender sobre
seu método e o aplicarem em suas escolas. A metodologia do abade ganha o mundo.
E as pessoas surdas ganham espaço público. É evidente que eles, antes ignorados
pela sociedade, passam a exercer sua capacidade de articulação política. E o
fazem prioritariamente dentro da escola que lhes abriu as portas para tal.
Esse tempo de grandes avanços sociais e políticos para os surdos durou poucos anos. A França vivia um momento político de intensas mudanças naquele final do século XVIII e início do século XIX, refletidas diretamente na administração do Instituto, que tem uma sequência de diretores “pró-oralismo”, culminando com uma mudança curricular em 1831 que retirou os professores surdos da atuação direta com seus alunos...
Em 1834, um grupo de onze professores surdos, liderados por Ferdinand Berthier, resolve organizar uma festividade em memória dos 122 anos de nascimento do L’Épée, denominada Banquet de Sourds, que irá se repetir pelos anos seguintes e será a semente da organização politica dos surdos na França, que se espalhará rapidamente por vários países do mundo.
A proposta dessa pesquisa é inicialmente retomar os textos dos autores surdos Pierre Desloges e Ferdinand Berthier, além das Atas do Banquetes Surdos, buscando indícios de como se deu a construção do que identifico como “uma nação sem pátria”, pelos mesmos denominada “nação surda”, cuja imagem permanece nos discursos dos movimentos surdos pelo mundo afora até os dias atuais. Tentaremos traçar paralelos com o movimento dos surdos no Brasil, que, desde 2002 com o reconhecimento da Libras/Língua Brasileira de Sinais como língua das comunidades surdas, vem alcançando ganhos políticos e sociais importantes.
Cara amiga!
ResponderExcluirToda nação tem sempre sua história.
Apesar de leiga neste assunto, admiro seu esforço para compilar a história da "nação surda" e posso dizer que está um luxo!
Parabéns!